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#19. O correto



João, sem perceber, fez um comentário de mau gosto, em uma roda de amigos, uma noite qualquer. Houve um pequeno silêncio desconfortável, logo interrompido por uma risada atrasada, pigarros de repreensão e vários olhares de julgamento. João se desculpou repetidamente pela frase possivelmente ofensiva a negros, mulheres, gordos e cadeirantes. Sentiu-se fisicamente mal de arrependimento e resolveu ir para casa.


Os dias seguintes foram ocupados pela insistente lembrança da cena. João ouvia internamente a frase escorregar, da cabeça para a língua e para fora da boca, revivendo a cena repetidamente. Logo ele, João, o correto, foi falar uma coisa daquela? Como?


Nos meses seguintes, vigiou cada palavra que saia da sua boca para não cometer deslizes. Nada de improvisar ou deixar fluir pensamentos, emitir opiniões, divergir ou provocar. Ensaiou algumas frases que podia encaixar em qualquer conversa e seguiu assim, tentando evitar o julgamento dos outros. João, no entanto, seguia sendo juiz rigoroso e frio carrasco de si mesmo.


Os pensamentos continuavam ali, trabalhando como uma montanha russa, fazendo o mesmo trajeto de subidas e descidas, uma vez atrás da outra. Não conseguia se concentrar em outras atividades com o raciocínio constantemente ocupado pelo próprio julgamento. Sentia sua cabeça como uma panela de pressão, apitando mais e mais alto a cada dia.


Assombrado pela lembrança intrusiva de suas falhas, fechou-se. Não queria mais viver, esmagado pela repulsa que tinha de si mesmo. Não havia lugar no mundo para gente como ele, pensava. Estava moralmente enojado de si mesmo.


Decidiu, então, acabar com a própria vida. Pensava, “no mundo de hoje, quem fala o que falei merece ser eliminado, cancelado, riscado.” Visualizou alguns cenários e maneiras de levar o plano a cabo, lembrando da falha que pesava em seus ombros nos últimos meses. Ao considerar com profundidade o suicídio, ponderou que sua morte poderia ofender os depressivos suicidas. Afinal, teria motivo suficiente para se enquadrar nesse grupo, uma espécie de lugar de fala suicida? Enxergar sua própria falibilidade teria causado trauma suficiente para levar a um desequilíbrio físico-quimico permanente ou seria julgado pós morte como depressivo impostor? João desistiu da ideia e se viu, então, forçado a descer do pedestal de moralidade para abraçar seus erros e seguir a vida.

· Acho melhor não postar isso. Podem pensar que eu sou contra o politicamente correto. É, não é certo. Melhor não. LEMBRAR DE APAGAR ESSE TEXTO AQUI.

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