É vem Manel de Ginu. Ô cabra ruim. O povo diz que ele é estrangeiro, paraguaio, não sei. Só sei que ele não fala que nem nós. Vive com a cara fechada, de quem comeu e não gostou.
Nós gosta quando ele passa porque quem puxa a carroça dele são uns cabritinhos bonito, peludinho. A criançada faz festa com os bichos e ele dá uns gritos na gente:
- Deixa meus cabrito quieto, sô!
O Manel vende lenha e couro que ele carrega na carroça. As roda de madeira vêm apitando agudo, de longe, por causa do sebo que se passa nelas pra deslizar melhor.
- Dondé que cê lá vai?, perguntam Zé e Tião, que jogam pião comigo.
- Cortar madeira no córrego lá de baixo, diz Manel.
- Nós pode ir na carroça com você?
- Não! Não gosto de menino pidão. Se quiser vem correndo atrás.
Na metade do caminho, Manel deixa subir na carroça depois que a gente insiste e promete ajudar com a lenha. Chegamos no córrego e a água está tão limpinha, tão transparente, tão gostosa, que a gente esquece a promessa e vai brincar na água. Manel começa a cortar a lenha enquanto a gente pula, joga lama um no outro e dá de comer aos cabritinhos.
- Se essa lama pegar em mim, vocês vão tomar de cinta, rosna Manel. Vê se vocês faz algum trem que presta e começa a colocar a lenha na carroça.
Paramos com as cabriolagens e vamos juntar a lenha, trazendo os tocos para perto da caçamba. Eu subo na carroça e vou aparando as lenhas que Zé e Tião jogam pra mim. Arrumei tudo e o Manoel gritou:
- Já tá bom... Até que vocês prestam pra alguma coisa, elogia de cara amarrada.
Não falou obrigado, mas acho que era o jeito dele de agradecer.
Manoel cata um tronco maior, senta e começa a desamarrar uma trouxa que está ao seu lado na carroça. É uma marmita embrulhada numa toalha xadrez, azul e branca. Quando ele abre o pano, um cheiro gostoso de carne temperada sobe no ar. Tinha quatro sanduíches de pão com queijo e carne assada. Zé, Tião e eu sentamos no chão perto dele, sem falar nada. O sol já vai alto, deve ser próximo do almoço e a gente sente o cansaço, e mais ainda, a fome.
Manoel come o primeiro sanduíche rapidamente. O cheiro da marmita faz a boca encher d’água. Ele pega o segundo sanduíche e come com prazer, lambendo os dedos, mas sempre de cara fechada. Olho pros meninos já com a barriga doendo de roncar, pensando se vai sobrar alguma coisa pra gente. Ele tinha quatro sanduíches, podia ter comido um e dado o resto pra nós. Tudo bem ele é adulto, come dois e a gente divide os outros.
Só que o Manoel pega o terceiro sanduíche e numa mordida leva metade do pão. Tião, que é o mais corajoso (e faminto) dos meninos, não aguenta:
- A não, Manel. Você não vai dar nenhum pra nós? A gente encheu a carroça todinha, resmunga num muxoxo.
Dividir aquele último até que não seria mal. Manel termina o terceiro sanduíche. Pega o quarto lanche na marmita olhando bem pra gente.
- Eu ia até dar esse último aqui pra vocês dividir, Manel mastiga a última mordida. Mas eu falei que não gosto de menino pidão...
Manel guarda a marmita, sobe na carroça e começa a ir embora. O jeito é correr pra ver se ainda tem almoço em casa. A pé, já que a caçamba está cheia.
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